Depois da lista de coisas que eu mais amo na China e
que vou morrer de saudades quando voltar, decidi fazer também uma lista das
coisas que fazem falta no Brasil, porque, apesar de não parecer, elas existem
sim.
5 de outubro de 2016
As melhores x as piores coisas da China
Toda vez que encontro algo muito bom aqui, sinto uma
mistura de felicidade com tristeza: felicidade por poder aproveitar aquela
coisa no momento e tristeza porque sei que no Brasil não vou encontrar mais. A
maioria dessas coisas são comidas, mas também existem alguns lugares e mesmo
situações de que vou sentir muita falta – sobre meus amigos acho que nem
preciso falar. Como geralmente meus textos são muito longos, hoje decidi trazer
algo mais leve, então vai ser só uma lista das minhas coisas preferidas e das
coisas que eu menos gosto na China.
As coisas das quais mais vou sentir falta
-
Pepino com alho: no topo da lista, claro que estaria uma comida, a minha comida
preferida nesse país. Sempre gostei muito de pepino, mas nunca foi algo
cotidiano – infelizmente. Porém aqui eles comem bastante e acabei descobrindo
essa nova maneira de preparar o pepino que pode ser consumida como
café-da-manhã, almoço ou jantar (muitas vezes eu como nas três refeições). É só
pepino cru cortado em rodelas com alho cortado em pedacinhos por cima, bem
simples e uma delícia!
(Jiaozi preparados a vapor e servidos numa panela de
bambu típica da China)
-
Baozi e Jiaozi: são dois “bolinhos” tradicionais da China, bastante oleosos, preparados
com uma massa especial que enrola todo tipo de recheio, desde carnes a
vegetais. Meu sabor preferido nos dois casos é carne de porco – o que foi um
tanto irônico para mim, pois no Brasil eu não costumava comer carne de porco
por não gostar do sabor, mas aqui ela é preparada de uma maneira diferente que
fez com que se tornasse minha carne preferida.
-
Segurança:
com certeza vou sentir falta da liberdade que tenho aqui de poder andar sozinha
na rua no meio da noite, de poder usar o celular na parada de ônibus, de não
precisar ter outro celular para entregar para o assaltante e poder manter o meu
verdadeiro; enfim, vou sentir falta de poder viver normalmente.
- Confeitarias: como a viciada em doces que sou, estou sempre procurando confeitarias
para frequentar, e as daqui da China possuem inúmeras vantagens em comparação
com as do Brasil: os preços são muito menores e a quantidade de opções de
lugares é muito maior! Isso sem mencionar o fato de que todos os doces que já
comi aqui estavam deliciosos e, pelo menos antigamente no Brasil, eu costumava
ter muita dificuldade para encontrar doces confeitados que me agradassem.
-
Preços: apesar
de ainda não ter ido às compras aqui – só ao supermercado, porque aparentemente
a comida é minha prioridade em diversos aspectos – eu já percebi que os preços
são muito baixos e tudo que eu precisei comprar, como tênis, meias, foram muito
mais baratos do que seria no Brasil, menos da metade do preço do que seria em
reais – isso sem considerar o fato de que o real custa o dobro do yuan. Uma das
coisas que mais gostei aqui, em termos de compras, é que os cadernos são muito
baratos! Comprei dois cadernos lindos por cerca de dez reais, o que nunca seria
possível no Brasil.
28 de setembro de 2016
Perdida na China
(Foto tirada em uma vez que me perdi e me vi no meio de uma construção sem saber qual caminho seguir) |
Sempre achei a teimosia uma característica positiva,
mas de vez em quando ela me revela sua dualidade, em especial quando eu me
perco. Como eu já disse em textos anteriores, eu gosto bastante de andar e
sempre opto por fazê-lo se tiver a oportunidade, pois me sinto muito mais
livre. Sempre que vou fazer uma rota nova, pesquiso no Google Maps e desenho um
mapa em uma folha de papel, porque não confio muito na bateria do meu celular
(analisando bem, confiar em um mapa precário e mal desenhado também não é lá
muito seguro). A quantidade de vezes que já me perdi é tamanha que, assim como
os carros que estão quase sempre me atropelando, se tornou uma situação
cotidiana.
A primeira vez em que me perdi, quando a Kim ainda
morava aqui, foi uma das mais memoráveis. Se perder com ela nunca foi
assustador, afinal, independente do que pudesse acontecer, ao menos estávamos
juntas e ter uma pessoa aos seu lado em momentos como esses ajuda bastante
psicologicamente – é mais difícil, ao menos para mim, entrar em desespero se eu
sei que não estou sozinha.
Logo que chegamos na China, nossa host-family
costumava nos deixar e nos buscar no local de trabalho; isso, porém, só durou
uns dois dias. No primeiro dia em que precisamos voltar para casa sozinhas, Kim
e eu nos perdemos – junto com uma voluntária local que estava tentando nos
ajudar. Enquanto ainda estávamos no metrô, o inglês da voluntária se mostrou
bastante precário, uma vez que acontecia de dizermos uma coisa, ela negar e
repetir exatamente o que havíamos dito. Uma das cenas foi a seguinte:
21 de setembro de 2016
As casas sujas
(Típica mesa de café-da-manhã chinesa) |
Depois que cheguei na primeira host-family, demorei
pouco tempo para perceber que seus hábitos de limpeza em relação ao apartamento
eram um tanto relapsos. Pensei que poderia ser pelo fato de se tratar de uma
família com boas condições financeiras, então eles não estavam muito
acostumados com trabalho doméstico e chamariam alguém para fazê-lo, pelo menos
uma vez ou outra. Decidi, como sempre, dar uma segunda chance para a China e
não estereotipar todas as famílias baseada apenas nessa experiência, até que eu
me mudei para a nova casa e percebi que a situação era a mesma.
Aqui na China não é comum ter empregadas domésticas a
não ser que se trate de uma família muito rica, o que não é desculpa para
manter a casa suja, mas é a única explicação que eu consigo criar na minha
mente para justificar a situação das casas em que morei e das casas que conheci
por aqui. Antes de mais nada, por alguma razão que eu não entendo, as mesas de
centro das salas servem de depósito para todo o tipo de coisa, desde caixas de
lenço a secadores de cabelo, e os tão comuns arranjos de mesa que utilizamos no
Brasil mal se veem por aqui. Depois vem a situação da mesa da cozinha, que é
tão peculiar e, na minha opinião, tão anti higiênica, que merece um parágrafo
só para ela.
14 de setembro de 2016
O trânsito maluco
Tantas coisas acontecem comigo todos os dias que, na
maior parte do tempo, não sei como dividir ou juntar tudo para transformar em
um texto coeso; já certas coisas acontecem tanto que eu acabo esquecendo de
escrever sobre, então vou dedicar o texto de hoje às situações mais comuns do
meu cotidiano em Changchun – percebam que eu não disse China, pois existem
algumas peculiaridades nessa cidade em que moro.
O trânsito é, decerto, o aspecto mais peculiar dessa
cidade. Eu costumava achar o trânsito de Natal bastante caótico, em especial
durante os horários de pico, mas depois de morar em Changchun, dirigir em Natal
parece ser a coisa mais segura e tranquila do universo. Isso porque aqui, além
do péssimo hábito de buzinar o tempo
todo, por qualquer coisa (se um pedestre está a 10 metros, eles buzinam, se
está a 100 metros buzinam também para garantir; se um pedestre pisa na rua; se
um pedestre pensa em pisar na rua; se o carro do lado se aproxima demais; se o
motorista acha que existe o risco do carro ao seu lado se aproximar demais; se
o carro do lado buzina para você; se um ônibus se aproxima demais; se um ônibus
buzina para você;), e chega a irritar bastante, porém, em muitos casos, é
compreensível, pois a quantidade de buzinas é proporcional à quantidade de loucuras
que eles cometem. Já não sei mais se as leis de trânsito são as mesmas em todos
os países, porque os motoristas de Changchun são tão descuidados que parecem
viver sob suas próprias leis. Antes de mais nada, quando querem atravessar uma
rua movimentada, eles apenas vão. Não é como em Natal, que a gente vai entrando
aos poucos. Não, eles entram com velocidade. E o mais interessante é que os
outros motoristas conseguem reagir a tempo e, claro, buzinar bastante.
Mas o pior de tudo, na minha opinião, sobre o
trânsito daqui é que os motoristas não
param o carro a não ser que o sinal esteja vermelho. Se você é um pedestre
parado na faixa, esperando para atravessar a rua, tenha a certeza de que vai
esperar para sempre. Os únicos casos em que vi um carro parar para os pedestres
nessa cidade foram quando tinham pessoas demais e eles não tinham alternativa –
aconteceu duas vezes. O que eles fazem, quando veem que alguém está
atravessando – além de buzinar muito, obviamente – é diminuir um pouco a
velocidade, e o pedestre que se cuide para não ser atropelado. Ou então, muitas
vezes, eles desviam das pessoas. Parar o carro jamais.
Queria estar brincando ao dizer que toda vez que
atravesso uma avenida movimentada em segurança eu dedico um momento para
agradecer ao universo por ainda estar viva, porém é a mais pura verdade. O
número de vezes em que quase fui atropelada é tão alto que nem consigo pensar
em exemplos, já virou algo tão cotidiano quando abrir os olhos de manhã. Na
maior parte do tempo o que acontece é o carro passar muito perto de mim, a ponto de dar um susto enorme e “tirar um
fino” assustador. Isso, entretanto, são os carros. Com as motos é outra
história.
25 de agosto de 2016
Banhos e boates
Fumar é incomodamente comum na China. Em
restaurantes, estações de metrô e mesmo em escolas; se não há uma placa de
proibido fumar, acredite, eles vão fumar. Para uma cultura tão rica e tão
antiga, acho bastante primitivo, para dizer o mínimo, que eles não se importem
com os riscos que o cigarro causa para a saúde. Tudo bem fumar ao ar livre,
onde só o fumante se prejudica, mas não consigo entender a lógica de fumar em
um restaurante – o ambiente vai ficar fedendo, assim como todas as pessoas,
independente de fumarem ou não – ou em qualquer outro lugar fechado.
Esse hábito terrível, inclusive, já quase me fez
desistir de frequentar certos lugares, como as boates.
Em uma certa noite, quando estávamos no karaokê, meus
amigos decidiram que queriam ir para uma boate depois; eu concordei na hora,
pois estava muito ansiosa para conhecer a vida noturna chinesa, uma vez que, ao
meu ver, os chineses pareciam não saber se divertir tanto. Então voltei para
casa para trocar de roupa, enquanto o pessoal procurava uma boate. O preço foi
consideravelmente alto para mim – algo em torno de 75 reais –, pois estou
acostumada com festas de quinze a trinta reais no Brasil e com bares cuja
entrada é de graça; isso sem contar com as bebidas que consumimos – gastei uns
30 reais em um único drink, com pouquíssimo álcool e quase nenhum conteúdo no
total. Mas eu estava bastante animada, aquele seria nosso primeiro final de
semana livre, eu sentia falta das noites de diversão no Brasil, ainda tinha um
pouco de dinheiro extra, sendo assim, por que não?
10 de agosto de 2016
Enfrentando os estereótipos sobre a China
(Legenda: Um tipo de minhoca gorda
muito comum na China dentro da cesta azul em um mercado, no meio de vegetais.
Muitas estavam vivas e se mexendo no momento em que a foto foi tirada)
Antes de viajar eu decidi que não queria ler nada
sobre a China; queria experimentar tudo por mim mesma e não ter nenhuma ideia
preestabelecida para influenciar minhas opiniões. Essa, decerto, foi uma das
melhores escolhas que fiz, pois se eu tivesse lido sobre certas coisas, ou as
situações que vivi não teriam sido tão engraçadas ou eu poderia ter desistido
de vir.
Escolhi morar um país bastante diferente do meu,
literalmente do outro lado do mundo, com mais de cinco mil anos de história – o
que é bastante em comparação com os 500 anos do Brasil –, de tradições e de
cultura, portanto eu já viajei ciente de que minha vida aqui não seria nem um
pouco parecida com o que era em Natal. Também viajei carregando em minha
bagagem mental todos os estereótipos e preconceitos usuais sobre os chineses:
são todos “iguais”, então preciso tomar cuidado para não me perder dos meus
amigos; comem cachorro e insetos; não são nem um pouco higiênicos; não
conseguem falar “pastel de frango”. Ao chegar aqui, percebi que existe sim um
pouco de razão nesses pensamentos, mas, claro, eles são muito generalizados.
25 de julho de 2016
A viagem que muda minha vida
Medo: foi o sentimento que me dominou durante todas
as transições de aeroporto e de avião. Não porque tenho medo de voar, isso eu
consigo relevar; também não porque eu tenho medo de ficar sozinha em um país
estranho – minha parada seria no Estados Unidos e, na pior das hipóteses, ao
menos falo inglês. Era um medo inexplicável, o medo do desconhecido. Como no
mito da caverna de Platão, meu interior estava amarrado à uma pedra, assistindo
um espetáculo diário de sombras: minha vida antiga, confortável, simples; então
algo dentro de mim me fez decidir viajar para o outro lado do mundo, como se
esse algo tivesse se libertado das correntes e estivesse, naquele momento,
tentando mostrar ao resto que a vida não era só aquilo.
É difícil deixar para traz tudo o que se ama para se
jogar no desconhecido, sem uma certeza do que se procura, sem uma garantia de
que algo será encontrado. Durante todo o caminho eu não conseguia parar de
pensar: “Tudo bem, eu posso voltar quando eu quiser... Posso voltar quando eu
quiser... Posso voltar quando eu quiser...”. Não conseguia parar de questionar
minha escolha, de tentar entender a razão que me fizera partir. Mas ao mesmo
tempo, sentia-me presa em um limbo emocional, no qual nada realmente importava,
no qual nada era real, e a única certeza era que não existia mais a
possibilidade de voltar atrás. E eu sabia que isso só iria passar no momento em
que as coisas começassem a acontecer de verdade.
Apesar do medo, o limbo emocional me deixou tão
letárgica que fiquei surpresa de não ter vivido nenhum momento de emoções
negativas intensas. Esperei, sinceramente, chegar uma situação na qual eu
quebraria, quando finalmente entendesse onde estou e não tem mais volta, então
ficaria triste e choraria. O que aconteceu foi o contrário: não poderia estar
mais feliz de estar aqui e a única coisa que me faz sentir algo parecido com
tristeza é a possibilidade de voltar.
Como eu disse no texto anterior, o que me fez,
inicialmente, ter a ideia de viajar, foi uma situação que me entristeceu e me
fez querer fugir. Pouco antes de vir para a China, porém, eu percebi que minha
felicidade não estava no controle de ninguém além do meu próprio. Pode até
parecer frase de livro de auto ajuda, mas é a pura verdade: não importa o quão
triste você está, a única pessoa que pode mudar isso é você mesmo. Se eu não
tivesse percebido isso antes de viajar, provavelmente estaria passando pela
mesma tristeza aqui, pois não importa se você muda de país, seus sentimentos
continuam lá dentro, no mesmo lugar.
Sem a motivação inicial, parei de criar expectativas
– o que pode parecer difícil de acreditar –, viajei sem esperar absolutamente
nada. Claro que tentei pensar de modo positivo, no entanto não fiquei fazendo
os habituais planos na minha mente, apenas me deixei vir, e agora todos os dias
me deixo viver. É uma pena ter demorado tanto tempo para perceber que não é
porque estou na China que todos os dias vivo experiências novas – claro que
algumas são devido à falta de conhecimento da língua ou da cultura –, isso é
possível se fazer em qualquer lugar do mundo, basta se deixar experimentar,
tentar, não planejar tudo, deixar-se levar um pouco. As coisas não vão ser
sempre como esperamos, então o melhor a se fazer é procurar o lado bom das
coisas e viver do jeito mais feliz possível.
As minhas piores experiências aqui foram responsáveis
pelas melhores memórias até agora. Isso porque em vez de olhar pelo lado
negativo, eu me deixei aproveitar o momento, rir dos infortúnios da vida. Como
em Pequim, no nosso último dia lá.
10 de julho de 2016
Ainda um sonho
(Imagem: Alma de Viajante) |
Eu pensei muito antes de começar a escrever esse primeiro texto. Repassei tudo na cabeça centenas de vezes, escrevi e reescrevi os parágrafos. Há tanto que eu gostaria de dizer, tantas formas como eu poderia tentar passar a mensagem. Essa diversidade de possibilidades – de escrever, de ver, de sentir, de viver e transmitir os momentos – foi uma das principais coisas que me serviu de atrativo para escolher o curso de jornalismo. Isso porque uma das coisas que eu mais gosto é aprender, e a diversidade leva a infinitas possibilidades de aprendizado. Outra coisa que contribui com esse processo é o diferente; colocar-se em uma situação nova e precisar pensar em caminhos diversos para resolver problemas com os quais jamais se deparou. E é por isso que eu vou para a China.
3 de maio de 2016
Os setes saberes necessários à educação do futuro
(Imagem editada por: Revista Fator Brasil) |
Eu terminei a série de textos revoltosos sobre a
educação com perguntas demais. Não pretendo respondê-las ainda, pois não sinto
que construí essa competência o suficiente para fazê-lo. Fiz muitos progressos
intelectuais relativos ao assunto entre o período de escrita e de conclusão do
texto, mas esses progressos ainda estão em construção e para mim não faz
sentido compartilhá-los sem que antes estejam completos. Sendo assim, decidi complementar
essa série com um livro que me ajudou muito nessa nova caminhada à procura de
respostas, que têm servido como guia na minha busca de novos aprendizados e que
eu espero poder ajudar também aqueles que se interessaram ou se identificaram
com os assuntos abordados na série.
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